fortaleza
12 Jun 2016o grande letreiro digital marcava 39°
na tarde de Fortaleza
e as pessoas falavam alto demais
e os prédios se erguiam nervosos a cada passo
desabavam aos andares apressados
e desapareciam com a mesma velocidade do bater
das asas de um beija-flor
as mulheres estavam em casa com os filhos,
ou soltas como leoas famintas em baladas VIP
em casa se masturbando com a ponta da escova de pentear
ou trepando com um (des)conhecido qualquer
os cornos não as mereciam
enquanto trepavam com suas secretárias, suas assistentes,
alunas, filhas e enteadas
estavam todos presos, loucos e imundos
não era de admirar que existissem tantos hospícios,
tantas prisões,
grades e cadeias
todos estavam jogados na sarjeta,
seja das ruas ou das prisões ou dos hospícios
as pessoas imploravam para serem presas,
os enfermos sem alma morriam antes de conhecer
o inferno do xadrez
e há homens demais
agindo feito psicopatas e criando
dramas suicidas
e bebendo demais e fumando demais
e frequentemente há caralhos demais fudendo bucetas demais
mas não há poesia
a poesia não existe no vácuo,
a poesia não existe por si só
a poesia não nasce por causa da decadência,
nem por causa do odor fétido dos hotéis ou dos corpos empilhados
ou dos becos escuros que fediam à doença e morte
ou das prisões ou das crianças estupradas
estávamos todos presos no mesmo inferno
seja morrendo
em prisões lotadas em meio às rebeliões carcerárias,
seja atirados
nas ruas cheirando o vômito dos viciados
pisando em
bostas de vira-latas,
seja em hospícios
imundos e mal cuidados,
onde os loucos não entram,
onde os loucos não existem do lado de fora,
mas são criados do lado
de dentro