Mandrake-002


Sem pensar duas vezes, Nicole entrou na locadora à procura de alguma novidade. Era uma devoradora de filmes, principalmente quando se tratava de pornô. A maioria das mulheres que assistem não saem dizendo tão abertamente quanto os homens, assim como quando o assunto é masturbação. As que entram em locadoras pornô esgueiram-se rapidamente para os corredores de filmes lésbicos para não serem vistas. É quase a mesma coisa que fingir um orgasmo apenas para agradar o parceiro e disfarçar o fato de que ele não soube fazer direito.

A maioria dos filmes era destinada aos homens, para agradar os homens. Filmes no estilo Brasileirinhas com loiras peitudas que gemem como porcos no abate, um clichê estúpido que faz a maioria das pessoas pensarem que sexo é realmente daquele jeito. Não. Ela queria algo mais. Queria ver desejo. Tesão. E quando finalmente se cansou dos vídeos amadores espalhados aos montes pela internet, resolveu ir na locadora. Viu os dois balconistas flertando um com o outro e continuou procurando, ainda não sabia pelo que. Passou pelos filmes gays, transsexuais (talvez o Guilherme goste.. haha) até os fetichistas, que iam desde beijar pés até engolir fezes e vômitos (ew). Estava sem esperanças de encontrar algo realmente interessante até que o poster atrás do balcão chamou sua atenção.

MANDRAKE #001

O cartaz mostrava uma mulher em desespero, sua boca forçadamente aberta com quatro ganchos e uma mão segurando um alicate à sua frente. Pequenas suásticas gravadas onde deveriam estar seus dentes. No fundo, cenas de estupro e sangue jorrando na tela. Isso a prendeu completamente. Ela se aproximou e pegou a capa do filme na estante, virando-a para ler a sinopse. As cenas na contracapa mostravam a mesma mulher, nua, e sentada diante de uma mesa, com um prego fincado em seu peito esquerdo, prendendo-o contra a madeira por onde corria o sangue. O enredo era sobre uma repórter que fazia uma matéria sobre o desaparecimento de duas prostitutas e acabou por se envolver numa espiral de jogos perigosos.

“Parece excitante… e bem extremo. Ele deve gostar disso.”

Os dois balconistas notaram seu interesse e um deles disse:

“Esse é um filme independente. Aqui é o único lugar onde você irá encontrá-lo.”

“Talvez eu deva perguntar o que faz um filme de terror perdido numa locadora pornô.”

“Olha, tem mais sexo nesse filme do que você imagina, haha. Além disso, foi a gente que produziu.”

“Ah. Vocês fazem filmes?!”

“Somos estudantes de Cinema e fazemos alguns filmes de baixo orçamento como trabalhos da faculdade. Só que nunca apresentamos este lá.”

“E por que não?”

“Você tá zoando, né? Nem todo mundo curte sangue e cenas tensas e… Bem, a gente teve um trabalho da porra com os efeitos especiais.”

“De qualquer forma, esse é o único filme bom que a gente fez.”

“E provavelmente o último. Por isso você só vai encontrá-lo aqui.”

“Ah, por que último? Vocês vão parar?”

“Poucas garotas estão dispostas a fazer cenas reais de sexo, ainda mais quando envolve violência no meio, mesmo que seja apenas fictício. Acho que nem todos entendem a arte de ver um ser humano em seu limite. Nós apenas dirigimos, não atuamos.”

“Pensamos em fazer uma continuação, mas pelo visto não vai rolar…”

“Bem, se a ideia ainda estiver de pé, eu posso atuar! Faço teatro e amo filmes de terror.”

“Haha, esses não são filmes de terror convencionais, moça, então esqueça.”

“Ah, não sei não, hein. Eu cresci assistindo filmes do Sam Raimi, Wes Craven e do Carpenter, então não venham me ensinar o que é terror de verdade, certo?”

“Assista algum dos H. G. Lewis e depois você conversa com a gente, ok?”

“Nossa, como vocês são.. haha. Olha, eu quero participar. Ou pelo menos ler o roteiro. Como você mesmo disse, poucas estão dispostas a encarar isso. E vocês podem se surpreender.”

Os balconistas olharam um para o outro. Sabiam que estavam pensando exatamente a mesma coisa.

“Certo. Se quiser pode começar hoje mesmo, quando a gente fechar a locadora. Pra fazer um teste.“

“Ah. Sabe, meu namorado volta do trabalho cedo… e de qualquer jeito, eu queria assistir o primeiro filme.”

“Bem, não seja por isso, pode assistir agora aqui na sala ao lado. Não vamos cobrar por isso.”

Ela viu uma sala aberta no final de um pequeno corredor. Havia uma grande televisão e um rádio sobre o rack. Não havia janelas.

“Então, tudo bem. Vou ligar pra ele dizendo que vou chegar um pouco mais tarde. Ele não é do tipo que cria birra por isso, haha, acho que dei sorte.”

“Ah, claro. Venha, vou te mostrar a sala de vídeo.”

(…)

Aquele rapaz não parece estar procurando nada, mas faz breves olhares aos dois por cima das estantes. Os balconistas já trabalhavam ali há muito tempo e conheciam a locadora de cabo a rabo para saber exatamente o que os clientes queriam e do que gostavam só pela sua posição. As mulheres geralmente levavam filmes lésbicos e caminhavam curiosas pelo corredor dos gays. Às vezes apareciam alguns rapazes quietos, nervosos, que andavam pelos corredores como se não quisessem nada e estivessem só olhando e quando chegavam no balcão entregavam um monte de DVD de travesti. Era hilário. Mas por enquanto, este aqui parece não querer nada.

Ele finalmente se direciona ao balcão e diz:

“Com licença. É que minha namorada não apareceu em casa nesses três dias e acho que ela deve ter passado aqui… Queria saber se talvez vocês a tenham visto.”

“Como ela é?”

“Ela tem cabelo castanho e é um pouco mais baixa que eu, bem magra. Acho que usava uma camiseta dos Misfits, não lembro.”

“Sim, sim. Eu lembro. Ela veio aqui. Só passou entre os corredores sem levar nenhum filme e depois saiu.”

“Mas ela não disse nada? Ela me ligou mas tinha muita interferência no sinal, e não consegui ligar de volta. Ela estava com alguém ou algo do tipo?”

“Não, ela veio sozinha, senhor. Bem, como eu disse, ela estava apenas olhando os filmes e saiu sem levar nada.”

“Ah. Hum, certo.. Então, eu posso deixar meu número com vocês caso ela apareça?”

“Claro, vou só pegar uma caneta. Pronto, pode dizer.”

Ele diz o número e pede novamente para que eles o avisem. Segura a cabeça entre as mãos e respira fundo, pensando onde ela pode ter ido. Estava rezando para que nada de ruim tivesse acontecido até levantar o rosto e perceber o poster na parede.

MANDRAKE #002

Não sabia como não havia notado-o antes. Os efeitos especiais e a violência gráfica eram impressionantes. Mostrava em close uma pessoa gritando com a pele de seu rosto removida quase inteiramente, deixando toda a carne crua exposta, exceto por pequenas tiras de pele em formas diagonais que ainda sobraram. Era impossível distinguir o sexo do atuante. Ele quase podia ver o sequestrador observando sua vítima amarrada na cadeira, amolando uma navalha com seu rosto. Mas os olhos…

“Que filme é esse?”

“É um lançamento. É um filme independente, então não deve estar circulando em muitas locadoras.”

“Vocês também alugam filmes de terror aqui?”

“Bem, não é à toa que a locadora se chama Hardcore, haha”, os dois balconistas riram. “Os filmes de terror estão no andar de cima, se quiser dar uma olhada.”

“Entendi.. Não, obrigado, eu vou levar esse filme”, ele disse.

Ele entregou o dinheiro e recebeu o filme e, quando se virou para sair, um dos balconistas agarrou seu braço.

“A gente te liga se souber de alguma coisa. Não se preocupe, uma hora ela aparece. No momento, você só precisa… relaxar.”

“Certo.. obrigado.”

Aquilo foi tenso, mas Guilherme decidiu se concentrar novamente sobre onde mais deveria procurá-la. Aquela rua era movimentada, algum comerciante deve tê-la visto. Caminhou em direção à saída ainda com a cabeça cheia de dúvidas, tentando decidir o que era mais bizarro nisso tudo: o aviso do balconista que não pareceu nada amigável ou porque o par de olhos azuis e penetrantes da pessoa no poster do filme lhe era tão familiar.