Snuff


“Às vezes eu penso sobre isso. Sobre o quanto as pessoas mudam com o tempo. É um clichê tão óbvio, mas em alguns casos pode ser devastador.”

Lucas puxa dois cigarros e me passa um. O crepúsculo se vai aos poucos e a cidade distante começa a acender suas luzes. Também acendemos as nossas com os cigarros que queimam no escuro.

“Eu não sei. Sabe aqueles casais que envelhecem juntos? Como eles conseguem não enjoar da cara do outro? Eles não parecem ter defeito nenhum.”

“Talvez. Parece que tá tudo na transparência.”

“Como assim?”

“Sobre honestidade. Sobre não esconder sentimentos um do outro, eles compartilham tudo. Já os casais modernos fazem de tudo pra encobrir falhas, querem mostrar perfeição um ao outro, querem fazer valer apenas as qualidades e esconder os defeitos.”

“Entendi. Até porque qualidade todo mundo tem. Não somos feitos a partir dos defeitos, mas eles são como uma prova de resistência pra outra pessoa. Não é sobre amar sem ver os defeitos, é amar e saber que eles existem e ainda assim continuar amando.”

Os morcegos passam voando sobre nossas cabeças e os grilos começam a cantar. Jogo o cigarro no chão e piso sobre ele. Era uma noite como todas as outras. Nada acontecia. Ninguém acontecia.

“Acha que Laura vai me perdoar algum dia?”

“Depois do que tu fez? Eu não sei. Ela tem medo quando te vê.”

“Foi um momento de fraqueza, sabe. Foi só uma noite.”

“Bem, é como os idiotas pseudo-românticos dizem: não troco uma vida por uma noite. Mas esses são os que mais traem. Sobre aquilo de querer aparentar perfeição e tudo mais.”

“É, eu sei. Mas estamos todos expostos ao erro. O ser humano tem uma tendência de escolher o que é errado, quase sempre por saber justamente que é errado.”

“O diabo criou o homem à sua imagem e semelhança.”

“Em todo caso, ela não fala mais comigo, e isso tá me enlouquecendo.”

“Por que não tenta fazer algo diferente? Surpreender ela, sei lá, mulheres gostam disso.”

“É, acho que tu tem razão. Talvez eu mude ela de lugar, ela não tá gostando muito lá debaixo.”

“Pode tentar desamarrar ela também, vai que ela se solta mais. Ela tá acordada agora?”

“Não sei. É bom tentar. Quer ir lá ver?”

Lucas apaga o cigarro e nos levantamos e caminhamos em direção à casa. À primeira vista, parece que vai cair a qualquer momento. É antiga, mas as paredes resistem como aço. Ela tem vários corredores que terminam em cômodos, que por sua vez se estendem em mais corredores. É um verdadeiro labirinto para quem não conhece o lugar. Enquanto passamos por corredores e portas, o fedor começa a subir pelo nariz. À princípio, não dá pra distinguir o cheiro (considerando que uma pessoa normal esqueça a nojeira e tente descobri-lo). Parece vômito misturado com sangue e qualquer outra merda. De qualquer forma, chegamos ao porão.

Sabíamos que Laura não estava acordada porque estava silencioso. Ela está amarrada a uma cadeira com uma bacia de fezes ao seu lado, sangue escorrendo pelos ouvidos, olhos e pelos seios com os mamilos arrancados. Mesmo assim, o fedor vem mais dela do que do cara morto na banheira.

“Cara, quem é esse doido aqui?”

“Eu mataria por ela, cara. Sério mesmo. Eu morreria por ela. Eu iria até o inferno por ela.”

Ela acorda e se dá conta de onde está, novamente, e começa a gritar. Tenho que por a maçã estragada em sua boca e amordaçá-la, mesmo que não a goste de vê-la assim. Sinto a leveza de seus cabelos loiros. Seu rosto é doce, uma obra de arte. Desço minha mão pelos seios, passando pela sua barriga, e então ela tenta fechar as pernas. Sua voz era suave, mas agora se distorce em gemidos e gritos mudos.

“Cadê o pau desse cara?”

“Ah, tá na privada.”

“Puta que pariu, a gente pode fazer outro filme.”

Passo a mão no rosto de Laura e ela se esquiva. Nós não somos tão diferentes um do outro. Ela sabe que no fundo é para seu próprio bem. A mãe dela também não gostaria de que ela se tornasse uma vadia como as outras. Desamarro-a e ela cai no chão com força, derrubando a bacia e espalhando suas fezes, e tenta fugir. Nós a seguramos e Lucas tranca a porta, enquanto tiramos nossas roupas.

“Vai ficar tudo bem, amor. Nós só vamos brincar um pouco.”